-Nossa! O Benedito tem muitas histórias... 

-E lá vem  mais histórias...

A partir de determinado momento, não se sabe exatamente quando, Benedito começou a inserir palavras em suas obras. 

Segundo depoimento de Gervane de Paula “foi no final dos anos 90 e início do ano 2000”,[1] que Nunes introduziu o recurso das onomatopéias em suas obras, ou seja, passou a utilizar esse recurso de linguagem que consiste na representação gráfica de um som, para transmitir para a tela, as sensações captadas por um ouvido aguçado, atento aos sons da natureza, e elas surgiram inicialmente em suas paisagens do cerrado. Esses sons (os barulhos), ou melhor, a melodia da fauna e da flora que agora aparecem em seu trabalho (através das letras) são colocados na tela de forma muito delicada, sutil, transformando nuances pictóricas, de tons de cores, em palavras. A utilização dessa figura de linguagem é muito antiga e aparece em muitos momentos na história da arte[2].

-Mas será? O Benedito teve a ousadia de fazer isso?

Sim.  Ele fez, e não foi só isso. Posteriormente ele passou a introduzir as onomatopéias em cenas urbanas e em interiores de bares e restaurantes. Intuitivamente ou não, ele introduziu as técnicas do movimento que, na história da arte, ficou conhecido como Futurismo na Itália misturado com elementos da Pop Art americana. A professora Ludmila Brandão[3] escreveu um belíssimo texto sobre o surgimento dos movimentos citados acima, para o catálogo da exposição “Barulhismo no Cerrado”, realizada no Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT, de 27 de abril a 16 de junho de 2006, para explicitar e diferenciar a utilização desses recursos nas obras de Benedito Nunes.  
-Mas será? O Benedito teve a ousadia de fazer isso?

Sim.  Ele fez, e não foi só isso. Posteriormente ele passou a introduzir as onomatopéias em cenas urbanas e em interiores de bares e restaurantes. Intuitivamente ou não, ele introduziu as técnicas do movimento que, na história da arte, ficou conhecido como Futurismo na Itália misturado com elementos da Pop Art americana. A professora Ludmila Brandão[3]escreveu um belíssimo texto sobre o surgimento dos movimentos citados acima, para o catálogo da exposição “Barulhismo no Cerrado”, realizada no Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT, de 27 de abril a 16 de junho de 2006, para explicitar e diferenciar a utilização desses recursos nas obras de Benedito Nunes.

 [1]Depoimento de Gervane de Paula feito ao autor em 10/06/2021. Cuiabá, Mato Grosso, 2021.

[2]HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo, Mestre Jou, 1982.

[3]BRANDÃO, Ludmila de Lima. Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC/SP), pós-doutora em Crítica da Cultura pela Université d’Ottawa/Canadá, Coordenadora do Núcleo de Estudos do Contemporâneo da UFMT, criou, junto com outros docentes os programas de mestrado e doutorado em História na UFMT. Curadora do Museu de Arte e de Cultura Popular (MACP), da Universidade Federal de Mato Grosso.

Barulhismo no Cerrado - Clique Aqui para entrar

- Mas será? Como o Benedito conseguiu fazer tudo isso?

Através de muito trabalho, dedicação e de muita experimentação. Só assim é possível propor novas formas de expressão artísticas. E aqui é o momento de realizarmos uma breve reflexão sobre o processo de trabalho/criação de Benedito Nunes. A obra “Maria Pocotó” é uma das primeiras experimentações que o artista realizou com a introdução de lata recortada em seus trabalhos. É um díptico, criado com madeira reaproveitável, lata recortada, pregos e tinta acrílica.  As onomatopéias continuam aparecendo na obra, ao fundo, na madeira. Novamente recorro a um texto esclarecedor da professora Ludmila Brandão, publicado em catálogo da exposição coletiva, “Do outro Lado”, realizada em 2012, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A professora aponta a transformação radical que estava em curso no processo de criação do artista, em 2006, quando trouxe a público, pela primeira vez, a “Maria – Cuiabana Pocotó”: Nesta tela, (...) Nunes compõe com pedaços recortados de lata de óleo de cozinha (sobrepostos à pintura), o perfil de uma mulher: “cuiabana pocotó”. Benedito Nunes descobre na lata de óleo de cozinha, o devir-mulher e, na mulher, o devir-lata, em uma magnífica confusão entre ser e objeto, perseguindo, com sucesso, outra poética.[1]

Talvez esteja aí (em Maria, Cuiabana Pocotó), o início de um longo processo de criação que acabou culminando com a realização das suas belíssimas esculturas tridimensionais de lata, que são muito impactantes e até surrealistas. 

 [1]BRANDÃO, Ludmila de Lima. Benedito Nunes: sobre cerrados, cidades e mulheres de lata. In: Catálogo: Do Outro Lado. Exposição coletiva com Dalva de Barros, Benedito Nunes, Gervane de Paula e Jonas Barros. MARCO - Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul – Campo Grande, 2012 


Figura Feminina, década de 2010

Lata recortada e dobrada, 64 x 24 x 29 cm

Fotografia: Vicente Maranhão

Acervo particular: Murillo Espínola de Oliveira Lim

     Uma outra obra de Nunes, que marca definitivamente essa nova transformação na produção do artista é a obra “Transeuntes”, de 2010. 

    “A magnífica obra “Transeuntes” 2010 (...) opera um novo desvio em que Nunes reencontrará a pintura. É para a cidade que volta seu olhar. A rua, mais especificamente. Para os corpos que transitam de um lado para outro, que conferem o contraponto da natureza. É a mobilidade dessa paisagem, os fluxos de objetos e seres que atraem, agora, olhos e mãos de Benedito Nunes. Quais surpresas nos aguardam?”[1]

     [1]BRANDÃO, Ludmila de Lima. Benedito Nunes: sobre cerrados, cidades e mulheres de lata. In: Catálogo: Do Outro Lado. Exposição coletiva com Dalva de Barros, Benedito Nunes, Gervane de Paula e Jonas Barros. MARCO - Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul – Campo Grande, 2012  

    Transeuntes 30 x 80 cm (díptico óleo sobre tela) 2010

    Fotografia: Vicente de Albuquerque Maranhão

      Acervo particular: Murillo Espínola de Oliveira Lima

    - Como será que o Benedito fez isso? 

    Diferenças à parte é oportuno, neste momento, pontuar mesmo que brevemente, alguns pontos da Pop Art, que vem do inglês e significa “arte popular”. Esse movimento artístico surgiu nos Estados Unidos por volta de 1960. Romper qualquer barreira entre a arte e a vida comum foi uma das propostas desse movimento. “Os recursos expressivos da arte pop são semelhantes aos dos meios de comunicação de massa, como o cinema, a publicidade e a tevê”.[1]Os seus temas e os seus símbolos são os produtos industriais dirigidos para a sociedade de massas: “lâmpadas elétricas (...) automóveis, sinais de trânsito, eletrodomésticos, enlatados e até mesmo a imagem das estrelas do cinema norte-americano, que também é consumida em massa nos filmes, nas tevês e nas revistas”.[2] 

     Roy Lichtenstein e Andy Warhol são considerados os “Mestres da Pop Art”, mas cada um tem suas especificidades e não cabe aqui aprofundar essa discussão. Interessa registrar apenas que Andy Warhol estetizou a Lata de sopa Campbell e obteve muito sucesso, com essa transgressão, em 1960.

    Intuitivamente ou não, as latas e outras tantas embalagens que são descartadas pela sociedade de massa - e que hoje se transformou em um problema social e ecológico - local, nacional e global-, Benedito Nunes transformou magistralmente “essas latas”, em uma coleção de esculturas fantásticas, lúdicas e surpreendentes.

    [1]PROENÇA, Graça. História da Arte. Editora Ática, São Paulo, 1998. p.180.

    [2]PROENÇA, Graça. História da Arte. Editora Ática, São Paulo, 1998. p.180.

    Andy Warhol Campbell's Soup Cans 1962 - clique aqui para entrar

    Travessia  - lata recortada pregada em madeira, 667 cm x 500 cm, 2014

    Exposição Orifício,  Galeria SESC Arsenal, Cuiabá, MT, 2014 

    Na obra “Travessia II", ele nos apresenta em forma de escultura, uma sucessão de corpos em movimento, feitos de lata, pregados em uma tábua. Impressiona os detalhes e, principalmente, o movimento dos corpos, agora, tridimensionais, porém, sem os pés e sem as cabeças. São corpos sem identidade, ou, ainda, corpos alienados pela sociedade de massa e tecnológica, que cada vez mais perpassam nossas vidas e atravessam nossas individualidades. 

    Ao observar cronologicamente a produção artística de Benedito Nunes, percebe-se que ao longo dos anos seu processo de criação vai se alterando conforme seu amadurecimento artístico e intelectual. Se, no início de sua carreira ele representa os seres humanos de uma forma ingênua, ao longo dos anos, esses mesmos corpos vão se transformando em seres que, em sua representação na tela, aparecem muito mais com as formas das suas esculturas de lata, do que seres humanos. Agora eles aparecem como seres robotizados, desumanizados. (Travessia, 2010, p. ex.) Submersos na cultura de massa, e agora também, na cultura das redes sociais, eles emergem com suas marcas e vagueiam pela cidade como fantasmas sem rumo, em busca de suas subjetividades, sem identidade, a procura de novos produtos para saciar seus desejos que jamais serão saciados porque, a cada dia, e agora, a cada minuto, a nossa sociedade cria um novo desejo material ou virtual.  

    Para finalizar é importante destacar também que os artistas daqui, do mato, têm uma forma de expressão absolutamente antropofágica de a tudo deglutir, saborear e depois desengolir na forma cabocla de ser, da arte mato-grossense. Nunes fez isso com as onomatopéias inicialmente e depois com as latas; Gervane de Paula sempre vomita referências da história da arte antrofagicamente acrescidas de novos significados, atávicos, expressivos e irreverentes; e o finado Adir Sodré, operava esse movimento absolutamente direto, como um soco na boca do estômago, pois sempre foi muito explícito em sua produção artística, em relação aos referenciais da cultura de massa.

    Laudenir Antônio Gonçalves

     É docente associado aposentado da Universidade  Federal de Mato Grosso, em Rondonópolis, Brasil. Membro da Associação  Brasileira de Críticos de Arte - ABCA. Atua como pesquisador, crítico de  arte e animador cultural desde 1986. Graduado em Licenciatura Plena em  Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de  Botucatu. É mestre em Ciências Políticas com a dissertação, "Artes  Plásticas na UFMT: um caso de expansão regional das artes plásticas" e  doutor em Antropologia, com a tese: "Produção Plástica Regional: campo  artístico, produtores, obras" pela PUC/SP. É líder dos grupos de  pesquisa Arte.com e Interfaces: História, Museologia e Ciências Afins,  ambos certificados pelo CNPq. Criou, em 2006, a Coordenação de Cultura  do Campus de Rondonópolis, onde atuou como Supervisor até agosto de  2012. É membro da Sociedade Científica de Estudos da Arte, com sede na  USP, e da REMP - MT - Rede de Educadores em Museus e Patrimônio de Mato  Grosso. Trabalha, principalmente, com os seguintes temas: arte e  história, artes plásticas em mato grosso, sociologia da arte, campo  artístico regional e produtores culturais. Ministra cursos de ciências  sociais e história da arte. Participa de comissões organizadoras e de  júris de salões de arte. 

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Companhia das Letras Editora. São Paulo, 1992, p. 649.


    BRANDÃO, Ludmila (org). Durma-se com um Barulho Desses: IN: catálogo da exposição Barulhismo no Cerrado. Individual de Benedito Nunes. De 27 de Abril a 16 de Junho. Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT, 2006. 


    DOMINGOS, Magna. Do Outro Lado (org.) BRANDÃO, Ludmila. Benedito Nunes: sobre cerrados, cidades e mulheres de lata. In: Catálogo: Do Outro Lado. Exposição coletiva com Dalva de Barros, Benedito Nunes, Gervane de Paula e Jonas Barros. MARCO - Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul – Campo Grande, 2012 . 


    FIGUEIREDO, Aline. Espíndola, Humberto (orgs). Animação Cultural e Inventário do Acervo do Museu de Arte e de Cultura Popular da UFMT (MACP). Entrelinhas, Cuiabá, MT, 2010.


    HAUSER, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo, Martins Fontes, 2003.


    PEIXOTO, Aristeu Mendes; TOLEDO, Francisco Ferraz de. Enciclopédia agrícola brasileira: C-D” VOL 2, Edição Ilustrada. Editora EdUSP, 1998. LORENZI, Harri. Árvores Brasileira Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil.Vol. 1. Editora Plantarum, Nova Odessa, São Paulo, 1992, p. 95.


    PROENÇA, Graça. História da Arte. Editora Ática, São Paulo, 1998. p.180.


    SITES CONSULTADOS:


    https://jornal.usp.br/cultura/mas-sera-o-benedito-fraseologia-ajuda-a-combater-fake-news/: Acesso em 15/02/2021. 


    https://www.ufmt.br/noticias/curtas-de-luzo-reis-sao-atracao-na-temporada-de-filmes-1599574334. acesso em 15/04/2021.


    https://www.premiopipa.com › 2015/04 › artistas-indica... : acesso em 20/05/2021.


    https://culturaufmt.wordpress.com/2020/09/23/benedito-nunes-em-50-obras/: acesso em 10/05/2021.


    PORFíRIO, Francisco. "Cultura indígena"; Brasil Escola. Disponível em: 

    https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/cultura-indigena.htm. Acesso em 10 de julho de 2021.


    DEPOIMENTOS E ENTREVISTAS:


    Depoimento feito por Marina Maria da Silva Nunes em entrevista à equipe de produção do documentário “Se Essa Rua Fosse Nunes”, em 08/03/2021. Cuiabá, Mato Grosso, 2021.


    Depoimento de Gervane de Paula feito ao autor em 10/06/2021. Cuiabá, Mato Grosso, 2021.



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     “Tributo ao Mestre do Cerrado: Benedito Nunes” é um projeto selecionado no edital Mestres da Cultura, realizado pelo Governo de Mato Grosso via Secretaria de Estado de Cultura, Esportes e Lazer.

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